segunda-feira, 1 de julho de 2013

Relato de pesquisa: Representações de índios. Repertórios para a nacionalidade na nova ordem republicana.

Há um tempo atrás, fiz um post sobre minha participação em um grupo de pesquisa como bolsista de Iniciação Científica  durante minha graduação na PUC RIO.
 
Os próximos posts serão dedicados a relatar as experiências, procedimentos, divulgação e análise de materiais identificados no decorrer deste trabalho, que foi realizado entre os anos de 2006 e 2007. Muito do que será apresentado aqui estão baseados em registros e relatórios de pesquisa feitos na época.
 
 
Representações de índios. Repertórios para a nacionalidade na nova ordem republicana.
 
 


Coordenado pela Prof. Dra. Eunícia Fernandes e contando com a participação de três bolsistas de Iniciação Científica, o projeto tinha como objetivo verificar quais eram as representações públicas e compartilhadas acerca dos indígenas durante a Primeira República, identificando possíveis conexões destas representações com um discurso sobre o nacional. Procuramos pensar como a sociedade via e pensava o elemento indígena no novo momento republicano, o que implicava num processo de construção da cidadania.
 
 
Para isto, tivemos o objetivo de construir um repertório de imagens produzidas pelos periódicos publicados na capital da República no período de 1889-1930. É importante destacar a opção de trabalharmos com imagens a partir do momento em que as consideramos como uma apropriação da realidade, isto é, uma forma de expressar e interpretar o mundo e também como uma construção social. As imagens são um importante instrumento de divulgação de ideias e de discursos, pois é uma linguagem que tem um alcance expressivo na sociedade atingindo também os grupos iletrados.
 
A intenção inicial era trabalhar com diversos periódicos, onde cada bolsista integrante do projeto ficaria encarregado por um. Mas algumas dificuldades encontradas no decorrer da pesquisa, como a inviabilidade de acesso aos periódicos disponíveis na Fundação Casa de Rui Barbosa, que estava com a sua Biblioteca em reformas, e alguns periódicos não disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional levaram a uma mudança de planos. A proposta inicial foi então alterada, resultando na concentração de um periódico apenas, sendo escolhido a revista semanal O Malho. A escolha por este periódico específico se deu pelo fato do mesmo ter uma publicação que se estende por um longo período compreendendo especialmente a temporalidade definida pela nossa pesquisa e, principalmente, pelo fato de termos na Biblioteca Nacional todo o material microfilmado e disponível para consulta.
 
Com apenas um periódico a ser mapeado, a divisão temporal foi o critério que definiu o trabalho de cada bolsista. As edições do periódico a ser pesquisado estavam delimitadas entre os anos de 1906 a 1930. Com uma equipe formada por 3 bolsistas - 2 bolsistas de IC FAPERJ e uma bolsista voluntária - o periódico foi dividido de forma que uma bolsista ficasse responsável pela pesquisa dos anos iniciais, a outra pelos anos intermediários e a última pelos anos finais.



 
 
Coube a mim pesquisar os anos finais do periódico, sendo importante destacar que, ao contrário das outras bolsistas que pesquisaram os anos de forma crescente, fiquei encarregada de proceder a pesquisa de forma decrescente, isto é, iniciá-la pelo último ano. Sendo assim, o primeiro ano pesquisado foi o ano de 1930, seguido pelo ano de 1929 e assim por diante. Durante os dois anos de concessão da bolsa, pesquisei e cataloguei as imagens de índios publicados em O Malho durante o período de 1930 a 1915, portanto, 15 anos de publicação da revista.
 
A coleta do material se deu pela localização das imagens no periódico e pela catalogação das mesmas em fichas de imagens. Nestas fichas foram cadastradas as informações referentes às imagens como a data da publicação e número do periódico, o autor da imagem, descrição e transcrição de textos que acompanham as mesmas. Inicialmente a ênfase se dirigia às charges publicadas pela revista, mas no decorrer do processo de pesquisa foram localizados diversos outros tipos de imagens como fotos e propagandas. Dessa forma, fez-se necessário fazer alterações na ficha de imagem que havia sido elaborada no inicio da pesquisa a fim de se identificar todos os tipos de imagens encontradas nos periódicos.
 
Além disso, foi incluído um campo denominado Observação para que pudesse ser feito qualquer outro tipo de anotação ou referência a respeito das imagens localizadas. Segue abaixo um modelo das fichas preenchidas no decorrer da pesquisa.
 
 

ANO

1927
Dia – Mês
26 de Fevereiro
Nº Periódico
1.276
Autor da Imagem
Ângelo Agostini
Localização na Página

2 Páginas inteiras

Tipo de Imagem
Charge
Título

SEMPRE OS MESMOS HOMENS

Descrição da imagem
Na primeira página: Uma grande cortina traz inscrita o título da charge: “CANDIDATOS E ELEITORES”. Uma mulher está suspensa pela cortina e segura no alto uma cadeira com a inscrição “PARLAMENTO”. Na sua saia está a inscrição “ELEIÇÃO DIRETA” e vários homens tentam se segurar na saia para serem puxados pela mulher. Alguns ficam suspensos, outros caídos e no meio destes está a inscrição “CANDIDATOS”. Atrás da cortina, um menino vestido de palhaço observa a cena e sorri.
Na segunda página: na parte inferior, um grupo de homens desesperados rodeiam um indígena, jogam-se uns sobre os outros tentando chegar mais perto. Trazem um pedaço de papel na mão e tentam entregá-lo ao índio que tapa os ouvidos e demonstra não agüentar as súplicas e barulho provocado por estes indivíduos.
O espaço superior da imagem é composto por várias cenas e suas respectivas legendas.
Cena 1: Um homem tem nas mãos maços de dinheiro.
  • Recebi dinheiro de dois candidatos, mas vou provar que sou homem de bem, fico com os cobres e não voto em ninguém.
Cena 2: Dois homens conversam e um deles parece indignado.
  • Offerece-me 50$000 reis por meu voto! Isto é um insulto!
  • Mas meu amigo, perdoe-me... eu...
  • Não Snr. Hoje o censo é alto e meu voto vale pelo menos 100.
Cena 3: Um homem interpela o outro que está à sua frente e este se volta para trás.
  • Oh, homem. Pois você não me conhece mais ?
  • Não me lembro bem do Sr, todavia se...
  • Sabe eu sou candidato...
  • Ah, é candidato, compreendo. Pois agora estou convencido que nunca nos conhecemos.
Cena 4 : Dois homens sentados numa cadeira conversam.
  • Visconde, V. Ex. sabe que estamos em véspera de eleição e ...
  • Snr, eu não sou Visconde.
  • Perdão, eu queria dizer, barão.
  • Também não sou barão.
  • Ora, ora; onde estou com a cabeça! Sr. Commor, eu...
  • Também não sou commendador.
Cena 5: Um homem sai por uma porta enquanto outro, do lado de dentro, a fecha.
  • Queira perdoar, creio que me enganei de porta.
  • Com toda certesa, passe muito bem.
Cena 6: Um homem está ajoelhado aos pés de uma mulher enquanto outro espia a cena escondido atrás de uma cortina.
  • Minha senhora, peço-lhe de joelhos sua protecção...
MARIDO – Hein, um desconhecido aos pés de (ilegível).
Cena 7: Mulher explica ao marido o acontecido na cena anterior. Os três personagens estão na cena e o marido está entre a mulher e o cortejador.
  • Meu marido, este Snr pedia-me que inslasse comtigo para dar-lhe o teu voto.
  • Pois não, com todo gosto. Uff! Antes isso!
Dizeres
Como o grande Agostini criticava as eleições geraes há cerca de 50 annos passados.
OBS
Existem outras cenas e detalhes na charge, mas a imagem está muito clara e falhada não permitindo a descrição de outras cenas que a compõe nem as suas respectivas legendas.
 
Tendo como exemplo a esta ficha, podemos fazer algumas observações a respeito da prática da pesquisa. A catalogação desta imagem e as informações contidas no campo Observação podem explicitar algumas dificuldades encontradas no decorrer do trabalho. O material microfilmado muitas vezes apresentam falta de nitidez não permitindo uma completa descrição da imagem ou dos textos que acompanham a mesma. As imagens se apresentam muito claras ou muito escuras, ou então falhadas devido ao estado de conservação do material original. Outras vezes, faltam determinadas edições do periódico e em algumas edições faltam páginas.

O recurso das fichas, onde procurávamos descrever as imagens localizadas, foi um recurso que visava, não só uma forma de catalogação, como também um recurso que visava compensar nossas dificuldades de reprodução das mesmas. Se hoje a revista O Malho encontra-se disponível online no site da Biblioteca Nacional e no da Fundação Casa de Rui Barbosa, onde qualquer pessoa pode ter acesso e visualizar todo o seu conteúdo, na ocasião da pesquisa não existia esta facilidade. Qualquer reprodução passava por um processo burocrático e implicava em gastos que naquele momento não tínhamos como arcar. 

Outra prática da pesquisa dizia respeito às reuniões periódicas com o grupo a fim de se fazer um levantamento do material coletado e também uma reflexão sobre o mesmo. Nestas, a discussão girava em torno da prática de pesquisa, como por exemplo, as dificuldades encontradas no andamento dos trabalhos, material danificado, ilegível ou incompleto. Era o momento onde podíamos fazer uma relação entre a teoria, já que éramos alunas da graduação, e a prática do historiador; espaço onde podíamos estabelecer relações entre as leituras feitas ao longo do curso e as impressões obtidas a respeito do material localizado.

Era também o momento em que descrevíamos para os integrantes do grupo as imagens que havíamos localizado em nossas visitas à Biblioteca Nacional. Isto significa dizer, que muitas das imagens identificadas por mim e por minhas colegas de pesquisa ficavam no "campo da imaginação", já que somente tínhamos conhecimento da imagens através da descrição e do relato feito por quem as viu.
 
A prática da pesquisa também permitiu a discussão com colegas que integravam outros projetos. Esta discussão possibilitou o encontro do nosso grupo com outra equipe. Foi um momento muito interessante, já que tivemos a oportunidade de conhecer outros projetos que estavam sendo produzidos pela Universidade e, especificamente, pelo Departamento de História. Apesar do outro grupo possuir uma linha e um objeto de pesquisa diferente e também trabalhar com uma temporalidade diversa, tínhamos uma temática em comum: a questão da identidade. Foi interessante perceber como a mesma questão era tratada por cada grupo e quais materiais e fontes estavam sendo utilizadas, como cada grupo se apropriava deste material e quais eram as leituras teóricas que estavam conduzindo o trabalho de cada um.
 
Uma dificuldade encontrada durante o ano de 2006, foi as freqüentes paralisações promovidas pelos funcionários da Biblioteca Nacional. Como não havia um aviso prévio sobre essas paralisações, muitas vezes encontrávamos a Biblioteca fechada, dificultando o acesso ao material.  No ano de 2007 esta dificuldade aumentou, pois a Biblioteca Nacional ficou fechada durante cerca de três meses devido a uma greve dos funcionários do Ministério da Cultura, impedindo o acesso ao material a ser pesquisado. 
 
Como tínhamos extrema necessidade de dar continuidade à pesquisa e também de reproduzir alguma imagens para elaboração de um pôster a ser apresentado nos painéis de Iniciação Científica do Encontro Nacional de História da ANPUH, recorremos à Biblioteca da Casa de Rui Barbosa. Aberta após vários meses em obras, esperávamos encontrar nesta Biblioteca um expressivo acervo que nos possibilitasse dar continuidade ao trabalho.
 
Apesar de conseguirmos a reprodução das imagens que necessitávamos, encontramos uma outra dificuldade: além de não ter disponível várias edições e até mesmo anos inteiros do periódico, todo o acervo de O Malho estava separado para a digitalização e ficaria indisponível para a consulta durante tempo indeterminado. Mas com a colaboração e solidariedade dos funcionários e da Bibliotecária responsável, conseguimos o acesso ao periódico e ao maior número possível de reproduções de imagens.
 
Um primeiro relatório foi entregue a FAPERJ onde foram apresentados os resultados da pesquisa durante o período correspondente ao início de concessão da Bolsa de Iniciação Científica em 01 de Janeiro de 2006 até Julho do mesmo ano. Neste relatório, o período analisado correspondia aos anos de 1927 a 1930. O relatório final foi entregue em Outubro de 2006 com vistas à renovação da bolsa. Neste, a pesquisa já havia progredido de forma significativa apesar das dificuldades já relacionadas, abrangendo os anos de 1925 e 1926. No relatório final da pesquisa, produzido em dezembro de 2007, o período analisado comprendeu aos anos de 1924 a 1915 (lembrando que pesquisei os anos de publicação de forma descrescente). 
 
Dado o panorama de desenvolvimento da nossa pesquisa, nos próximos posts procurarei apresentar o material coletado durante a mesma. Além das imagens de índios identificadas e catalogadas, que por sua vez, foram objetos de análise em artigos e trabalhos apresentados em seminários e encontros acadêmicos, a pesquisa identificou em O Malho outros materiais e temas que contam muito sobre a história do nosso país. 
 
Estes temas serão apresentados de maneira geral, pois o objetivo aqui não é de fazer uma análise dos mesmos, mas de apresentar os conteúdos da revista que mais me chamaram a atenção na época e que terminaram por merecerem destaque nos meus registros de pesquisa. Na medida do possível, sempre que for identificado um tema que tenha sido objeto de análise historiográfica e que tenha tido O Malho como fonte, ele será indicado aqui. Também irei postar as imagens que na época só eu tive acesso e que ficaram, portanto, no "campo da imaginação" dos outros integrantes da pesquisa. 



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