quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Malho (1921)

A revista durante todo o ano dá ênfase à crise econômica vivida pelo país. Aumento nos preços dos produtos alimentícios, da passagem dos bondes, dos aluguéis, entre outros, são temas constantes das colunas e das charges. O presidente Epitácio Pessoa é alvo constante de críticas e o seu pacote de medidas a fim de resolver a crise econômica, que contou com o apoio de alguns ministros, deputados e senadores, é encarado por O Malho como medidas sem nenhum efeito prático. 
O  Editorial publicado em 02 de Julho de 1921 (edição nº 981) nos dá uma idéia de como a ação do presidente foi entendida pelo periódico ao mesmo tempo em que nos possibilita conhecer as práticas políticas do período:

O fantasma da crise

"O presidente da Republica, na semana passada, reuniu os ministros para discutir e assentar medidas capazes de remediar a tremenda crise econômica e financeira que assoberba o pais.
Foi uma reunião de pouco mais de duas horas, de cujo resumo, do que nella se passou, os jornaes, no dia seguinte, deram uma informação lacônica, mas, em todo caso, comprehensivel. O governo resolveu suspender as obras que não dependam de contracto, encomendas, compras em commissão,etc. consideradas adiáveis;suggerir ao Congresso a necessidade immediata de se taxar, com impostos muito mais elevados, todos os artigos que possam ser classificados como de luxo e pedir aos governadores dos Estados que recommendem e amparem no maximo possível, a exportação de todos os productos nacionais. Feito isso, o Presidente da Republica ficou de tomar iniciativas de caráter urgente, mas que ainda não podem ser divulgadas em virtude da carência de instrução ministerial.
Ora, quando se diz aqui que o Presidente da Republica reuniu os seus secretários para discutir e ascentar medidas, entende-se, por euphemismo, que houve uma conferencia. No fundo, porem, a phrase é exagerada, porque S.Ex. exerce accentuado presidencialismo que dispensa qualquer alvitre lembrado pelos ministros. Se providencias houve e vão ser dadas, ellas são exclusivamente do presidente, que dellas aceita a inteira e inalienável responsabilidade.
Toda gente sabe que com o governo nenhuma obra sem contracto firmado tem grande importância. Todas ellas são obras de pequena significação, cujo prosseguimento ou não, em nada affectaria as possibilidades do Thesouro. As grandes, aquellas que estão a esgotar os recursos da nação, e que estão canalisando o ouro brasileiro para a Europa e para a América do Norte, essas sim, é que deveriam ser paradas, porque a arrecadação das rendas que o contribuinte esfollado entrega ao erário publico não chega mais para custea-las. As formidáveis e devairadas construções dos quartéis ahi pelo interior, emprehendimentos nababescos que tanto maravilham o Sr. Pandiá Calogeras , a ponto desse grego benemérito dizer, com sua philaucia costumada, que o anno é de realizações, estão pesando normemente nos cofres depauperados do Thesouro. As obras dos portos, pelo regimem adoptado, onde só o do Maranhão anda ahi pelas alturas de trinta mil contos, cambio do dia, valem pelo mais penoso sacrifício. O nordeste, todo elle uma immensa zona suppliciada pela calamidade das secas periódicas, ainda está em começo dos gigantescos trabalhos que terão de combater a canícula e já se acha transformada num majestoso rio de Pactolo, de curso maior que o Volga e mais volumoso que o Amazonas, onde centenas e centenas de milhares de contos terão que correr.
Não houve concorrência publica para os serviços, mas os estrangeiros, que tomaram conta das iniciativas, estão atacando-os com um patriotismo delirante, um esforço tão abnegado, que a opinião lê as noticias mergulhada na mais triste das aprehensões. A construção do dique da Ilha das Cobras e outras reformas materiais projectadas para a Marinha também não serão adiadas, o que dá a entender que, mesmo suspensas as obras que o governo pensa, o terrível problema da crise econômica e financeira da Republica, crise que não martyrisa só a população pobre do Brasil, mas que afflige todas as suas classes, do operário ao banqueiro, não esta nem armada em equação, quanto mais com a sua solução garantida.
Ou nos enganamos muito, ou sua primeira medida é um palliativo para distrahir o povo flagellado de norte a sul.
A medida referente à elevação dos impostos sobre todas as mercadorias importadas e que tenham de ser classificadas como objectos de luxo não é nenhuma novidade. Os paizes da Europa, que estiveram em guerra desde 1914 que a adoptaram, com ella se tendo dado perfeitamente. Aqui, seis annos mais tarde, verificado que a lutta entre os alliados e os impérios centraes não nos trouxe a vantagem de um real, é que nos lembramos de insinuar essa aggravação à Câmara e ao Senado. Parece incrivel!
Os deputados e os senadores são, na sua maioria, cavalheiros bem instalados na vida. Recebem três contos de reis mensaes, afora ajuda de custo. Têm negócios nos Ministérios, na Prefeitura e no Lloyd. Podem, perfeitamente, sem o menor sacrifício, comprar tudo quanto é objecto de luxo que lhes apeteça, para si e para os seus. Não serão elles habituados ás pedras preciosas, ás sedas, aos perfumes raros e aos bibelots mais raros ainda, que irão privar-se de tanto prazer, de tanto conforto e de tanto requinte, so pelo gosto de com isso contribuírem para alliviar o paiz das desgraças que o estão levando á ruína definitiva com o cambio a 4 e o pânico generalisado no commercio, na industria e na lavoura.
Tamanho ônus, os legisladores não imporão a elles mesmos. Suba o preço do feijão e da carne secca, escasseim e desapareçam as habitações da probreza. Que tem isso? Os deputados e senadores não se alimentam dessas comidas e moram em bons hotéis e casas melhores...
A recommendação dos governadores para que a produção nos Estados se intensifique não chega a ser uma providencia; é um fantasia. Os governadores estão muito occupados com a política, cada vez mais escura e confusa, e não irão perder tempo com esse enorme trabalho de amparar e animar os productores, quasi todos elles alheios ás contigencias da vida partidária. O que elles querem é mether mais fundo o dente do fisco em cima dos contribuintes, para terem os recursos indispensáveis ás satisfações de seus caprichos e vaidades.
Esta é que é a verdade, nua e crua, na simplicidade dos factos, como elles se apresentam. A reunião ministerial podia deixar de se ter realisado, mesmo porque não é com este ou aquelle golpe brusco, num abrir e fechar de olhos , que se resolve uma crise pavorosa, conseqüência de erros e desatres accumulados durante dezenas de anos."

Em relação a este fato, a revista publica uma charge de autoria do cartunista Nelson. Nesta charge como em tantas outras apresentadas na revista, o Brasil é representado por um índio. Um índio esquelético e doente, pois é assim que o país é visto devido à crise financeira.

Neste mesmo ano, enquanto o governo indica Arthur Bernardes para a sucessão presidencial, em conformidade com o tradicional domínio de Minas Gerais e São Paulo no cenário político federal, representantes de outros Estados formam uma outra chapa – a Reação Republicana – que lança a candidatura de Nilo Peçanha. A revista se refere à Reação Republicana como o Partido da Dissidência e os artigos e charges fazem chacota à pretensão de seu candidato, já dando como certa a impossibilidade do mesmo em vencer as eleições. As viagens e comícios feitos por Nilo Peçanha por todo o país também são registradas com escárnio, tornando-se temas de várias charges. A revista ressalta várias vezes seu respeito pelo ex-presidente, mas considera que o mesmo não possui competência para administrar o país, pois é um homem apenas de retórica e não de ações efetivas.


Um outro tema que toma conta de várias edições da revista durante o ano é a demolição do Morro do Castelo e os preparativos para a Exposição do Centenário que ocorrerá no ano seguinte. Em relação à Exposição, a revista se divide entre elogiar a iniciativa e em ressaltar a importância do evento como uma forma de apresentar um Brasil moderno e civilizado para a comunidade internacional e em preocupações de ordem prática, como a ausência de bons hotéis para hospedar os visitantes, a deficiência dos transportes públicos – essencial para a locomoção dos visitantes – e a escassez de gêneros alimentícios, o que acabaria provocando uma alta dos preços dos mesmos (num momento em que estes já são considerados caríssimos).

Em relação ao desmonte do Morro do Castelo, a revista apresenta várias reportagens, inclusive com fotos, procurando demonstrar a incompatibilidade entre este e a modernidade e civilização. Argumentos de preservação do passado colonial utilizados contra a demolição do morro são rebatidos pela revista com a utilização de fotos dos casebres existentes ali. Aquelas “construções pitorescas” não são o tipo de lembrança do passado que um país moderno e civilizado deve resguardar.

A estética do local, que é um dos primeiros pontos avistados pelos estrangeiros ao entrar na Baía de Guanabara, deve seguir o exemplo das outras áreas da cidade já remodeladas. Assim, sob o argumento da estética, da higiene e até mesmo do lucro obtido pela prefeitura com a venda dos terrenos - que cobririam as despesas da demolição -, a revista coloca seu ponto de vista sobre o desmonte do Morro do Castelo.

Uma pequena nota publicada na coluna Notas da Semana (edição nº 983 – 16/07/1921), faz um comentário sobre como a situação dos moradores do Morro do Castelo é tratada pelo poder público.


“O projecto da lei do inquilinato, ainda nas encolhas legislativas, teve agora uma interessante sessão no Senado, illustrada ao sabor popular, pela palavra de alguns próceres. Um d’elles verberou ‘a praga das levas e a infame industria de cartas de fiança – os dois cancros da nossa sociedade que devem ser abolidos’.E opinou seguidamente: ‘Devemos cuidar da nossa população e não dos forasteiros para o Centanário, ricaços que bancam o principado’.
Outro senador, apanhando a ‘deixa’, perguntou para onde iriam os artistas e operários que habitam o Morro do Castelo, em demolição. E condemnou a inércia deshumana da Prefeitura, que não providencia sobre a construção de tectos para abrigo de centenas de famílias.
Palavras perdidas, essas dos dois senadores e de todos quantos se interessarem pelo assumpto. Ninguém, lá pelas alturas, quer saber d’estas causas tristes. Que se arranjem, cá por baixo, como entenderem!
Os poderes públicos precisam demolir o Morro do Castelo, para aterrar um trecho urbano da Bahia de Guanabara, a fim de se conquistar terreno para a Exposição do Centenário, numa cidade que tem área para dez cidades do mesmo numero de habitantes. Com esta idéia fixa, os poderes públicos esperam que os senadores, a lei do inquilinato e as idéias humanistas se fomentem!”

Em relação às representações de índios na revista durante o ano, por duas vezes o índio é a representação do Brasil. Em uma das charges, além do Brasil, um índio também representa o Paraguai. Nesta, se comenta o estreitamento dos laços de amizade entre os dois países, mas não há nenhuma coluna ou artigo da revista faça referência concreta a este assunto. Não há também possibilidades de uma interpretação a respeito da utilização da imagem de um índio para representar o Paraguai, pois é a primeira vez que encontro referência a este país em uma charge. No caso desta, pode ser que a imagem esteja relacionada à relação de amizade entre dois indígenas de “tribos” amigas.

Um outro destaque é a reportagem sobre o ataque sofrido por dois funcionários da Comissão Rondon por uma tribo indígena. A cena que representa o acontecido, mostra os índios em estado de fúria e os funcionários como homens sendo atacados covardemente, sem nenhuma condição de reação ou defesa. Mesmo relatando os prováveis motivos do ataque, as descrições das condições dos corpos dos funcionários em seus mínimos detalhes, contribuem para a construção de uma imagem bárbara e brutal dos índios.

Mesmo sendo já catequizados e acostumados com o contato com os homens brancos e civilizados, como afirma a reportagem, a essência primitiva e bárbara ainda está presente, como se fosse um instinto. É como se fossem animais selvagens, que mesmo domesticados, guardam dentro de si seus instintos naturais e que em algum momento vem à tona. E de uma certa forma, reforça a ideia dos perigos representados por estes grupos para quem se aventura pelo “sertão”, principalmente para os destemidos e corajosos integrantes da Comissão Rondon.

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