domingo, 7 de julho de 2013

O Malho (1923)

Arthur Bernardes assume a presidência da República em Novembro de 1922. Sua eleição dividiu o país: enquanto o Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro apoiavam sua candidatura, os demais estados apoiavam Nilo Peçanha. O descontentamento com a sua vitória, associada com a insatisfação com o governo de seu antecessor, Epitácio Pessoa, foram algumas das causas do chamado movimento tenentista, que teve seu início em 1918 com o chamado Levante do Forte de Copacabana, e durou durante todo seu governo. A fim de minimizar a instabilidade política, o presidente cumpriu seu mandato de quatro anos sob "estado de sítio".

Em 1923, enfrenta um movimento no Rio Grande do Sul que exige a renúncia de Borges de Medeiros do governo do Estado. A campanha eleitoral no estado foi marcada pela divisão entre os que apoiavam a candidatura de Borges - os borgistas - e aqueles que apoiavam o candidato Assis Brasil - os assisistas -, e pela violência e repressão aos opositores do governo. Quando se anuncia o resultado das urnas, com a previsível vitória de Borges de Medeiros, a revolta foi geral. A comissão apuradora dos votos foi acusada de fraude eleitoral pela oposição e a disputa nas urnas transformou-se em disputa pelas armas, liderada por Assis Brasil.

A revista dá grande destaque ao movimento com um grande número de fotos das forças militares do governo e dos revoltosos. Em 26/05/1923 (edição nº 1.080), a revista dá início a várias sessões de fotos sobre o movimento com o seguinte texto:
 
 
Os lamentáveis acontecimentos que se desenrolam no Rio Grande do Sul tem despertado fortemente a attenção publica.
A opposição ao governo do Estado chegou ás ultimas conseqüências, abrindo luta armada, que demasiadamente se vae prolongando, com grave prejuízo para os interesses economicos da operosa terra gaúcha.
Todos lamentam esse estado de cousas e fazem votos pra que o emissário do Sr. Presidente da Republica tenha conseguido ajustar as bases de um accordo que evite mais derramamento de sangue, e dentro do qual se possa fazer a paz immediata no solo dos pampas.
E’ esse o maior anceio de todos os brasileiros patriotas.
Nada se adianta com essas luctas de ferro e fogo, entre irmãos. Ellas só servem para cavar ódios e suggerir represálias absolutamente incompatíveis com a harmonia que deve reinar entre todos aquelles que vivem e trabalham sob a protecção do Cruzeiro do Sul.
Damos neste página e na seguinte algumas photographias relativas ás forças do governo do Rio Grande do Sul e ás da opposição, remettidas da importante cidade de Bagé.”




O Malho, 26/05/1923. Acervo Biblioteca Nacional
 
 
Ainda em 1923, a revista dá destaque à Exposição do Centenário expondo em detalhes os pavilhões dos países estrangeiros e também os pavilhões das empresas nacionais. Apresenta também relatos das visitações do final de semana, com fotos de personalidades da sociedade carioca e políticos que visitaram a Exposição.


O Malho, 26/05/1923. Acervo Biblioteca Nacional.


Marca registrada da revista é o humor. Várias charges representam de maneira irônica não apenas acontecimentos políticos, mas também acontecimentos corriqueiros e casos da administração pública. Um exemplo é a charge abaixo, onde O Malho faz menção ao pedido de demissão feito pelo médico sanitarista Carlos Chagas, então chefe do Departamento Nacional de Saúde Pública, ao presidente da República, que o recusou várias vezes.


O Malho, 24/02/1923. Acervo Biblioteca Nacional
 
A revista também faz, durante várias edições,  críticas ao governo em relação ao analfabetismo da população. Falta de escolas ou precariedade das mesmas, falta de professores e baixos salários destes profissionais são temas constantes nos artigos e colunas. O Malho chega até mesmo a cobrar uma posição da Academia Brasileira de Letras em relação a este fato.
 
 
Podemos ver esta cobrança através da charge A INFÂNCIA ANALPHABETA, de autoria de  J.Carlos. Nesta, a Academia  Brasileira de Letras é uma mulher vestida com o fardão tradicional e segura um livro chamado SONETOS. Ela está cercada por várias crianças. O personagem Cardoso lhe questiona: “Por que é que a senhora não amamenta essas crianças?”, colocando em xeque o papel da instituição e a chamand-a à responsabilidade em relação ao assunto.


 
O Malho, 16/06/1923. Acervo Biblioteca Nacional.


Uma observação: o personagem Cardoso é uma figura nova que apareceu nesta fase da revista. Me parece que representa assim como o Jeca, o povo, o homem simples. Só que ao contrário do Jeca, que está relacionado ao homem do campo – “o caipira” –, o Cardoso tem características mais urbanas tanto no modo de vestir e também na forma de falar.


Um outro ponto de destaque na revista é a Conferência de Santiago onde o Brasil, juntamente com outros países latino-americanos, discute um projeto de desarmamento. Os conflitos com a Argentina, que não aceita nenhum tipo de acordo neste sentido, e os boatos de que o Brasil estaria comprando armamentos dos EUA enchem as páginas da revista de artigos e charges.


 
O Malho, 28/04/1923. Acervo Biblioteca Nacional



Sobre esse tema, a revista apresenta algumas charges onde novamente o Brasil é representado por um índio (como a imagem acima). Mas em duas charges relativas ao tema, o Brasil não é representado por um índio, mas sim por um rapaz jovem, de camisa estrelada, calças compridas e botas. O autor das duas charges é o cartunista LUIZ (abaixo, uma destas charges). 


 
O Malho, 28/08/1923. Acervo Biblioteca Nacional.

 
Este fato remete a uma discussão citada por Herman Lima sobre a escolha de um tipo caricatural representativo do Brasil. Segundo o autor, o cartunista J.Carlos propunha “um adolescente com linhas gerais de um guarani “daqueles que outrora habitavam a Terra de Santa Cruz, não de tanga e de cocar, mas vestido civilizadamente”, com um chapéu desabado adornado com duas longas penas verde e amarelo recordando o berço nativo, blusa azul em cujo peito se estendia o Cruzeiro do Sul, botas altas e calças bombachas.” Raul preferia o índio “armado em guerra, criado por Ângelo Agostini; era um símbolo decorativo, imponente. Longos anos os jornais adotaram o tipo do  índio varonil para representar nossa terra. Depois surgiu uma cócega de reação, invocando os tipos de outras nações como exemplo. Engano manifesto. Não vejo nos cocares e tangapemas de nossos ancestrais o sinal de retrocesso e primitividade. Tais atavios são, como devem ser em todas as idades, decorativos apenas, e o tipo de índio, histórica e legitimamente, é o molde brasileiro por excelência” (História da Caricatura no Brasil, vol.1, pág.27).
 
 
Mas, o que podemos verificar é que na maioria das vezes em que se faz necessário representar o Brasil, ainda prevalece o modelo do índio. No caso de J.Carlos, na maioria das suas charges o Brasil é o índio tradicional.

 
O Malho, 05/05/1923. Acervo Biblioteca Nacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário