domingo, 13 de outubro de 2013

O Malho (1929)

Em relação a 1929 podemos dizer que ele é um ano politicamente agitado. As páginas da revista O Malho dá grande destaque para os acontecimentos referentes a sucessão presidencial e seus principais personagens – o presidente do Estado de Minas Gerais, Antonio Carlos, e o presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Quebrando as regras do tradicional esquema de sucessão presidencial, dominado por São Paulo e Minas Gerais que se revezavam na presidência da República, o presidente paulista Washington Luis contrariou o esquema e indicou como seu sucessor, o paulista Julio Prestes.
 
Sua indicação se baseava na necessidade de garantir os interesses financeiros paulistas frente aos impactos causados pela Crise de 1929. Insatisfeitos, os políticos de Minas Gerais romperam com o Partido Republicano Paulista (PRP)e indicaram a candidatura de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, governador do estado. Os mineiros buscaram e conseguiram apoio de outros estados, como o Rio Grande do Sul, governado por Getúlio Vargas, e da Paraíba, assim como angariaram  o apoio do Partido Democrático Paulista, opositor do PRP. Antônio Carlos abriu mão da sua candidatura à presidência em favor de Getúlio Vargas e a aliança com a Paraíba levou à indicação de João Pessoa como vice. Em agosto de 1929, foi formalizado a criação da Aliança Liberal, unindo grande parte dos opositores à candidatura de Júlio Prestes à presidência da República, comandado por Afonso Pena Júnior e Ildefonso Simões Lopes.

O Malho, 17/08/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
Legenda: CASAMENTO FORÇADO
Minas Gerais: Mas eu, casar-me com o (ilegível) de todos os tempos?
Antônio Carlos: Paciência, filhinha, para impedir a minha ruína tive que vender sua mão.

 

O Malho, 17/08/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
 
  
A revista tradicionalmente critica a situação política através de artigos, há inclusive uma coluna da revista intitulada “Os sete dias da política”, onde Getúlio Vargas e Antônio Carlos são apresentados de forma irônica e debochada. Ambos são descritos como corruptos, traidores da nação e dos próprios partidários e aliados, capazes das maiores atrocidades contra aqueles que se opõe contra suas ideias.
 
A coluna faz diversas denúncias contra a atuação política de Antônio Carlos, entre elas o ataque ocorrido em 19/10/29 à sede do Partido Concentração Conservadora em Minas Gerais, partido da oposição em Minas Gerais que lutava contra as pretensões políticas de Antonio Carlos. A revista associa o ataque a uma iniciativa de partidários da Aliança Liberal a mando do presidente do Estado. Faz denúncias de fraude no processo de alistamento eleitoral em Minas Gerais, comandadas certamente por Antonio Carlos, a fim de aumentar o número de votantes no Estado. Denuncia também fraudes na eleição no Rio Grande do Sul no ano anterior, onde Getúlio Vargas teria fraudado a apuração e falsificado várias atas de eleição. Mas a coluna também dá destaque e valoriza as ações de políticos que são considerados coerentes e corretos na sua forma de participação na vida política do país e também nos seus Estados.
 
A principal e mais destacada fonte de críticas são as charges. Elas têm espaço definido e regular na revista, como por exemplo, a primeira capa e a capa interna. Mas a partir dos meses de julho/agosto de 1929, parece que elas se propagam por toda a revista ocupando mais espaços, isto é, cada vez mais páginas são dedicadas a elas, algumas vezes se apresentam tomando o corpo inteiro da página ou parte dela (charges menores).
 
Os principais temas das charges são as ações da Aliança Liberal, o ataque da mesma à candidatura de Julio Prestes à Presidência da República e os maiores destaques são as ações de Antonio Carlos e seu aliado Getúlio Vargas. Em uma determinada charge, Getúlio e Antonio Carlos estão andando à cavalo. Getúlio diz ao parceiro que tortura, mata e pica em pedacinhos quem se atrever a desafiá-lo. Antonio Carlos lhe pede para que não faça o “serviço” todo sozinho, que deixe pelo menos para ele a função de “picar em pedacinhos” os adversários.


O Malho, 31/08/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
 
As contradições e disputas entre a própria Aliança Liberal também são destacadas nas charges. Em duas delas, o tema da antropofagia e imagens de índios são utilizados para descrever e definir uma situação onde os próprios partidários da Aliança Liberal não se entendem e onde também interesses diversos e muitas vezes contrários fazem com que eles acabem atacando uns aos outros ou tomem atitudes particulares que prejudicam a imagem do partido. Em duas dessas charges os partidários da Aliança Liberal são definidos como antropófagos e são representados como índios. Em uma das charges, os políticos estão vestidos de índio e assam numa fogueira um partidário. Em outra, uma índia representa a Aliança Liberal sendo flechada pelos seus integrantes, todos índios. O Zé Povo que assiste a esta cena, comenta que achava que antropófagos comiam somente seus inimigos e não membros do próprio grupo .
 
O que podemos refletir destas charges é que há uma apropriação de uma prática indígena, a antropofagia, para descrever e se referir a uma situação onde para os chargistas da revista, os políticos da Aliança Liberal perderam todas as noções básicas de “civilidade” e atacam uns aos outros. Quando o Zé Povo diz que achava que os antropófagos Liberais eram contra o Júlio Prestes, seu inimigo político, ele faz uma referência aos rituais antropofágicos praticados pelos indígenas brasileiros, onde os inimigos capturados nas guerras intertribais eram sacrificados e comidos. Mas no caso da Aliança Liberal, a antropofagia se tornou uma guerra que extrapolou todas as regras e procedimentos tradicionais, pois ao contrário da tradição indígena onde somente os inimigos eram atacados e sacrificados, os liberais estavam atacando e “devorando” os membros da própria “tribo” (estas imagens foram analisadas em um artigo e serão apresentadas aqui em outro post. 

 
Uma outra charge que contém uma imagem indígena se refere à campanha empreendida por Antonio Carlos contra os créditos nacionais para o café. O governo federal, através do apoio à candidatura de Júlio Prestes á Presidência da República ,esperava garantir a continuidade das práticas de proteção ao café. Este é abordado na revista como principal produto de exportação brasileiro e como a revista é visivelmente favorável à eleição de Prestes, também apóia esta política de valorização do produto.


O Malho, 26/10/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
Legenda: EM DESESPERO DE CAUSA
Ella: Isso, não! Isso prejudica o crédito do Brasil lá fora!
Antônio Carlos: Não faz mal, publique assim mesmo. A Alliança precisa de assumpto.
 
Talvez por este motivo o indígena que aparece na charge está com os braços tem uma postura e expressão de repreensão e de não aprovação à cena em que Antonio Carlos manda que se publica na imprensa da Aliança Liberal um manifesto contra a defesa do café. A figura do índio desaprovando a atitude talvez esteja aliada à idéia de nacionalidade, o índio assim como o café é um símbolo do Brasil, ele ama a sua pátria e defende seus interesses; ele jamais investiria contra os interesses da nação como faz Antonio Carlos. A publicação do manifesto traria prejuízos para o Brasil em relação aos investimentos internacionais e a charge expressa a idéia que para o Presidente da Estado de MG isso não tem a menor importância, o que vale são seus interesses pessoais e sua ambição política.
 
Nos dias 21 de Setembro e 14 de Dezembro de 1929, a revista publicou duas reportagens de autoria de Jose de Mattos sobre o trabalho realizado pelo SPI – Serviço de Proteção aos Índios- realizado no Estado de Goiás. Nestas reportagens existem dois objetivos: informar o leitor sobre um determinado grupo de indivíduos que estando longe da civilização não é conhecido nem lembrado pela maioria da população e destacar a importância do trabalho do SPI.
 


O Malho, 21/09/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional

 
O que prevalece nas descrições dos índios e de seus rituais como a “Festa do Bicho” relatada na segunda reportagem é o tom exótico e a idéia de que se está lidando com um povo inocente e primitivo. Aliás esta idéia é bem clara na reportagem, onde o autor destaca que a maior importância e objetivo do trabalho do SPI é levar a “civilização” para uma gente destituída dela, é integrar o índio bárbaro e selvagem ao restante da nação.



O Malho, 14/12/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
 
 
Podemos através do relato tomar conhecimento de uma parte do trabalho e como agem os agentes do Serviço nesta tarefa de levar a civilização a estes povos. A instalação de escolas nas aldeias, a implementação de atividades produtivas (como a sapataria) e até mesmo a implementação de atividades esportivas completamente estranhas ao índios como o futebol nos permitem conhecer as práticas utilizadas para cumprir a função.
Há uma expressiva exaltação ao trabalho dos agentes, que merecem a gratidão da sociedade por tão valoroso e importante serviço. A reportagem nos mostra claramente que não há nenhum trabalho no sentido de conhecer mais profundamente as populações indígenas nem intenção de preservação das suas práticas culturais; o objetivo é integrar o elemento indígena à nação.

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