Em
relação a 1929 podemos dizer que ele é um ano politicamente
agitado. As páginas da revista O Malho dá grande destaque para os
acontecimentos referentes a sucessão presidencial e seus principais
personagens – o presidente do Estado de Minas Gerais, Antonio
Carlos, e o presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio
Vargas. Quebrando as regras do tradicional esquema de sucessão presidencial, dominado por São Paulo e Minas Gerais que se revezavam na presidência da República, o presidente paulista Washington Luis contrariou o esquema e indicou como seu sucessor, o paulista Julio Prestes.
Sua indicação se baseava na necessidade de garantir os interesses financeiros paulistas frente aos impactos causados pela Crise de 1929. Insatisfeitos, os políticos de Minas Gerais romperam com o Partido Republicano Paulista (PRP)e indicaram a candidatura de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, governador do estado. Os mineiros buscaram e conseguiram apoio de outros estados, como o Rio Grande do Sul, governado por Getúlio Vargas, e da Paraíba, assim como angariaram o apoio do Partido Democrático Paulista, opositor do PRP. Antônio Carlos abriu mão da sua candidatura à presidência em favor de Getúlio Vargas e a aliança com a Paraíba levou à indicação de João Pessoa como vice. Em agosto de 1929, foi formalizado a criação da Aliança Liberal, unindo grande parte dos opositores à candidatura de Júlio Prestes à presidência da República, comandado por Afonso Pena Júnior e Ildefonso Simões Lopes.
O Malho, 17/08/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
A
revista tradicionalmente critica a situação política através de
artigos, há inclusive uma coluna da revista intitulada “Os sete
dias da política”, onde Getúlio Vargas e Antônio Carlos são apresentados de forma
irônica e debochada. Ambos são descritos como corruptos, traidores da nação e dos próprios partidários e aliados, capazes das maiores atrocidades contra aqueles que se opõe contra suas ideias.
A coluna faz diversas denúncias contra a atuação política de Antônio Carlos, entre elas o ataque ocorrido em
19/10/29 à sede do Partido Concentração Conservadora em Minas
Gerais, partido da oposição em Minas Gerais que lutava contra as pretensões políticas de Antonio
Carlos. A revista associa o ataque a uma iniciativa de partidários da Aliança
Liberal a mando do presidente do Estado. Faz denúncias de fraude no processo de alistamento eleitoral em Minas
Gerais, comandadas certamente por Antonio Carlos, a fim de aumentar o
número de votantes no Estado. Denuncia também fraudes na eleição
no Rio Grande do Sul no ano anterior, onde Getúlio Vargas teria
fraudado a apuração e falsificado várias atas de eleição. Mas a
coluna também dá destaque e valoriza as ações de políticos que
são considerados coerentes e corretos na sua forma de participação
na vida política do país e também nos seus Estados.
A principal e mais destacada fonte de críticas são as charges. Elas
têm espaço definido e regular na revista, como por exemplo, a
primeira capa e a capa interna. Mas a partir dos meses de
julho/agosto de 1929, parece que elas se propagam por toda a revista
ocupando mais espaços, isto é, cada vez mais páginas são
dedicadas a elas, algumas vezes se apresentam tomando o corpo inteiro
da página ou parte dela (charges menores).
Os
principais temas das charges são as ações da Aliança Liberal, o
ataque da mesma à candidatura de Julio Prestes à Presidência da
República e os maiores destaques são as ações de Antonio Carlos e seu
aliado Getúlio Vargas. Em uma determinada charge, Getúlio e Antonio
Carlos estão andando à cavalo. Getúlio diz ao parceiro que tortura, mata e pica em
pedacinhos quem se atrever a desafiá-lo. Antonio Carlos lhe pede
para que não faça o “serviço” todo sozinho, que deixe pelo
menos para ele a função de “picar em pedacinhos” os
adversários.
O Malho, 31/08/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
As
contradições e disputas entre a própria Aliança Liberal também são
destacadas nas charges. Em duas delas, o tema da antropofagia e
imagens de índios são utilizados para descrever e definir uma
situação onde os próprios partidários da Aliança Liberal não se
entendem e onde também interesses diversos e muitas vezes contrários
fazem com que eles acabem atacando uns aos outros ou tomem atitudes
particulares que prejudicam a imagem do partido. Em
duas dessas charges os partidários da Aliança Liberal são
definidos como antropófagos e são representados como índios. Em
uma das charges, os políticos estão vestidos de índio e assam numa
fogueira um partidário. Em outra, uma índia representa a Aliança
Liberal sendo flechada pelos seus integrantes, todos índios. O Zé
Povo que assiste a esta cena, comenta que achava que antropófagos
comiam somente seus inimigos e não membros do próprio grupo .
O
que podemos refletir destas charges é que há uma apropriação de
uma prática indígena, a antropofagia, para descrever e se referir a
uma situação onde para os chargistas da revista, os políticos da
Aliança Liberal perderam todas as noções básicas de “civilidade”
e atacam uns aos outros. Quando o Zé Povo diz que achava que os
antropófagos Liberais eram contra o Júlio Prestes, seu inimigo
político, ele faz uma referência aos rituais antropofágicos
praticados pelos indígenas brasileiros, onde os inimigos capturados
nas guerras intertribais eram sacrificados e comidos. Mas no caso da
Aliança Liberal, a antropofagia se tornou uma guerra que extrapolou
todas as regras e procedimentos tradicionais, pois ao contrário da
tradição indígena onde somente os inimigos eram atacados e
sacrificados, os liberais estavam atacando e “devorando” os
membros da própria “tribo” (estas imagens foram analisadas em um artigo e serão apresentadas aqui em outro post.
Uma
outra charge que contém uma imagem indígena se refere à campanha
empreendida por Antonio Carlos contra os créditos nacionais para o
café. O governo federal, através do apoio à candidatura de Júlio
Prestes á Presidência da República ,esperava garantir a
continuidade das práticas de proteção ao café. Este é abordado
na revista como principal produto de exportação brasileiro e como a
revista é visivelmente favorável à eleição de Prestes, também
apóia esta política de valorização do produto.
Talvez
por este motivo o indígena que aparece na charge está com os braços
tem uma postura e expressão de repreensão e de não aprovação à
cena em que Antonio Carlos manda que se publica na imprensa da
Aliança Liberal um manifesto contra a defesa do café. A figura do
índio desaprovando a atitude talvez esteja aliada à idéia de
nacionalidade, o índio assim como o café é um símbolo do Brasil, ele
ama a sua pátria e defende seus interesses; ele jamais investiria
contra os interesses da nação como faz Antonio Carlos. A
publicação do manifesto traria prejuízos para o Brasil em relação
aos investimentos internacionais e a charge expressa a idéia que
para o Presidente da Estado de MG isso não tem a menor importância,
o que vale são seus interesses pessoais e sua ambição política.
Nos
dias 21 de Setembro e 14 de Dezembro de 1929, a revista publicou
duas reportagens de autoria de Jose de Mattos sobre o trabalho
realizado pelo SPI – Serviço de Proteção aos Índios- realizado
no Estado de Goiás. Nestas reportagens existem dois objetivos:
informar o leitor sobre um determinado grupo de indivíduos que
estando longe da civilização não é conhecido nem lembrado pela
maioria da população e destacar a importância do trabalho do SPI.
O
que prevalece nas descrições dos índios e de seus rituais como a
“Festa do Bicho” relatada na segunda reportagem é o tom exótico
e a idéia de que se está lidando com um povo inocente e primitivo.
Aliás esta idéia é bem clara na reportagem, onde o autor destaca
que a maior importância e objetivo do trabalho do SPI é levar a
“civilização” para uma gente destituída dela, é integrar o
índio bárbaro e selvagem ao restante da nação.
O Malho, 14/12/1929. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
Podemos
através do relato tomar conhecimento de uma parte do trabalho e como
agem os agentes do Serviço nesta tarefa de levar a civilização a
estes povos. A instalação de escolas nas aldeias, a implementação
de atividades produtivas (como a sapataria) e até mesmo a
implementação de atividades esportivas completamente estranhas ao
índios como o futebol nos permitem conhecer as práticas utilizadas
para cumprir a função.
Há
uma expressiva exaltação ao trabalho dos agentes, que merecem a
gratidão da sociedade por tão valoroso e importante serviço. A
reportagem nos mostra claramente que não há nenhum trabalho no
sentido de conhecer mais profundamente as populações indígenas nem
intenção de preservação das suas práticas culturais; o objetivo
é integrar o elemento indígena à nação.
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