domingo, 27 de outubro de 2013

A experiência histórica do movimento de independência das treze colônias americanas à luz do moderno conceito de Revolução

 
 
 
Segundo Hanna Arendt (ARENDT: 1971), apesar do aspecto social não estar presente na Revolução Americana, sua principal contribuição para a formação do conceito moderno de Revolução reside no fato de que sua importância não se restringe às transformações no estabelecimento de uma nova forma de governo, mas no estabelecimento de uma ideia de que a pobreza não é algo inerente ao homem. Foi na América que os seguidores das doutrinas calvinistas, fugitivos das perseguições religiosas na Europa, colocaram em prática as ideias de que a miséria e a pobreza eram situações que podiam ser revertidas através do trabalho, que a riqueza não era pecado mas sinal de salvação.
 
A colonização inglesa na América baseava-se, desde o princípio, pelo estabelecimento do autogoverno na maioria das colônias. A mudança na política colonial inglesa visando cobrir os custos da Guerra dos Sete Anos contra a França abriu um imenso debate político a respeito das relações entre colônia e metrópole: se a Inglaterra tinha direito ou não de aumentar os impostos sem a participação de representantes dos colonos no Parlamento. Um outro fator que gerou grandes discussões foi a nomeação pelo reino da Inglaterra de governadores para as colônias, ferindo a tradição do autogoverno.
 
O que os colonos ingleses desejavam no início não era um rompimento com a Grã-Bretanha, mas a restauração de direitos que achavam que estavam sendo usurpados e desrespeitados. Os colonos ingleses consideravam-se herdeiros de uma tradição política - uma monarquia constitucional que se baseava na existência de uma Constituição que limitava as ações do rei. Não viam o Parlamento como um agente responsável para tomar decisões a respeito das colônias, pois os colonos não possuíam representantes dentro da instituição que representava todos os súditos, que por sua vez, deviam se submeter a todas as suas decisões. Os debates a respeito dos direitos da Grã-Bretanha em interferir no governo e administração das terras americanas levaram a um intenso questionamento a respeito das suas instituições e suas relações com as colônias. A impossibilidade de chegar a um acordo favorável levou aos movimentos de independência e à ruptura definitiva com a metrópole.


Para Hanna Arendt, a característica do conceito moderno de Revolução que podemos encontrar na experiência americana é o fato de que esta revolução se iniciou como um movimento de restauração, os homens envolvidos nos movimentos acreditavam que estavam lutando pelo restabelecimento da antiga ordem, mas os acontecimentos subsequentes fizeram com que as expectativas iniciais fossem extrapoladas surgindo algo inteiramente novo, que não estava planejado. A independência das 13 colônias americanas foi uma experiência nova, nunca antes ocorrida na história, pois foi a primeira vez que uma colônia se declarava independente da sua metrópole.

 
O que a revolução americana trouxe de novo foram as concepções de igualdade e liberdade. Os homens são iguais por nascimento e se tornam diferentes em virtude da instituições sociais e políticas - diferentemente da concepção clássica de igualdade onde a mesma era concedida ao homem através da cidadania. Segundo Arendt, "o resultado da revolução não foi a 'vida, liberdade e propriedade' como tais, mas sim elas tornarem-se direitos inalienáveis do homem" (ARENDT: 1971, 31). A declaração de independência de 1776 diz: "Sustentamos como verdades evidentes que todos os homens nascem iguais, que estão dotados por seu criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais contam o direito à Vida, à Liberdade e à busca de Felicidade; que para assegurar estes direitos instituem governos..." (Declaração de Independência. 4 jul.1776).
 
 
A questão da liberdade na experiência americana diz respeito não apenas a um rompimento político, à libertação de uma opressão, mas à instauração de uma nova forma de governo que visava a constituição de um novo tipo de liberdade.  Se apenas tivesse ocorrido um rompimento político com o objetivo de garantir direitos, haveria somente libertação. Mas o fim último da revolução é a liberdade transformando-se num modelo político de vida. A liberdade, como um fenômeno político, é um produto do esforço humano que significa participação nas coisas públicas ou admissão ao mundo político.  Sendo assim, a instituição de uma nova forma de governo nas colônias agora independentes, revelou a capacidade humana de construir algo novo: a criação de um governo completamente diferente do que existia até então e que tem por finalidade última defender e garantir direitos inalienáveis do homem.
 

 
A concepção de liberdade como um direito do homem nascido com a revolução americana forneceu subsídios para a contestação da ordem colonial e ao apontamento sobre o excesso de mando e dominação das metrópoles europeias, acarretando a construção de projetos de autonomia política. Na Europa, a concepção de liberdade como direito do homem e do cidadão, portanto, a aliança entre cidadania e liberdade, colocaram em xeque o Estado absolutista e sua sociedade estamental levando ao estabelecimento de uma nova ordem social e política.


 
REFERÊNCIA
 
ARENDT, Hanna. Sobre a revolução. Lisboa: Morales Editores, 1971.

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