Em relação ao nosso foco de pesquisa, imagens de
índios, durante todo o ano de 1928 foram encontradas apenas duas
imagens. Na edição de novembro, uma charge faz alusão a uma
reforma nas tarifas alfandegárias que segundo a opinião da revista,
beneficiará o que eles consideram uma Indústria Artificial. Está
explícita na charge que esta reforma trará benefícios a grupos
específicos em detrimento do país. Esta indústria é representada
por uma mulher e o Brasil é representado pela figura do indígena.
O Malho, 24/11/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
A charge faz referência a uma proposta de reforma das tarifas alfandegárias para produtos industrializados estrangeiros feita pelo Senado Federal com o objetivo de proteger a
indústria nacional. Para a revista, este medida é uma política
protecionista que prejudica os interesses do Brasil e seu comércio
com o exterior. Isto porque há uma proposta de comerciantes
franceses ao governo de Paris para que, no caso do Senado brasileiro aprovar o projeto, se aumentem também as tarifas
alfandegárias dos produtos brasileiros como cacau, café, fumo,
entre outros.
Segundo
a revista, a decisão do Senado em aumentar as tarifas não é de
interesse nacional e só apoia os estrangeiros, pois não existe no
Brasil uma “indústria nacional”.
“Poucas,
muito poucas, são as industrias que, como a de certos tecidos e
(ilegível) de nacionaes. Na sua maioria, diríamos melhor na sua
quase unanimidade, as nossas industrias de nacionaes só tem o nome:
o resto é estrangeiro”.
A
verdadeira indústria do Brasil é a agricultura e esta sim deve ser
o principal foco de interesse do governo.
“
O Brasil deve tudo à agricultura. Na exploração da terra está a
base da riqueza. Deus nos deu um immenso território para delle
tirarmos ouro de que necessitamos as trocas de mercadorias com os
outros povos. Os nossos dirigentes, porém, desprezam essa prodigiosa
dádiva e em logar de auxiliarem o desenvolvimento da cultura da
terra, fomentam a creação de usinas que nunca poderão fazer
cuncurrencia commercial ás usinas de paizes securlamente
industriaes, senão a sombra de uma tarifa aduaneira odiosa e
prohibitiva. Já
é tempo de acabarmos com essa proteção escandalosa e prejudicial.
O Brasil deve ser somente agrícola. Quem quizer ganha 20,30 e 35
por cento de rendimento dos capitães, que monte uma casa de
agiotagem. Baixemos os impostos das alfândegas ! Reintegremos o
Paiz na posse da sua formidável e assombrosa riqueza: a lavoura !”
A outra imagem localizada, que representa a América do Sul, também
traz a imagem de um índio. A charge é uma resposta a um repórter
americano (como diz a legenda da imagem), mas a inscrição da mesma
(“esta perna de porco já tem dono”) talvez esteja relacionada a
algum tipo de posição deste jornalista sobre uma intervenção dos
EUA na América Latina. Na verdade, seria necessário um conhecimento
maior do fato para uma melhor análise da imagem e do seu
significado.
O Malho, 29/12/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
Uma outra questão trazida pela revista diz respeito a
uma discussão parlamentar sobre a transferência da capital para o
interior do país. A revista enumera as vantagens da transferência:
segurança da capital no caso de ataques estrangeiros, povoamento do
interior facilitando as comunicações com outras regiões do país,
irradiação do progresso do interior para o litoral tornando a nação
rica e próspera. Além disso, o afastamento da capital do país dos grandes centros
impediria o surgimento de pressões sobre o Congresso por
intermédios de jornais e manifestações consideradas perigosas à
ordem pública.
A discussão se dá a nível constitucional, pois há um
grupo político que, baseado no Artigo 34, parágrafo 13, que define
como atribuição do Congresso mudar a Capital da União, utiliza o
argumento de que imbuídos desta determinação da Constituição
podem transferir a capital para qualquer outra parte do território
nacional. Outro grupo baseado no Artigo 3º da Constituição que
define como pertencente à União um território em Goiás destinado
exclusivamente ao estabelecimento da nova capital, defende que a
mesma seja transferida para o referido local, devendo ao Congresso
apenas a atribuição de definir e autorizar os gastos com a
construção.
Uma crônica da revista chamou particularmente a
atenção. Intitulada “Variações sobre
política através das ideias do Jeca Tatu”, a crônica trata da visão do
homem comum, especificamente do homem do interior, sobre a política
e de que forma esta se faz presente no seu dia-a-dia. Segundo a
crônica, a presença do Estado se faz através da violência e da
arbitrariedade, da cobrança excessiva de impostos.
De uma certa
forma, o artigo trata da concepção e da prática da cidadania entre
o povo. A instauração da República, proclamada sob a égide a
soberania popular, convocava o povo à participação e à
restituição da liberdade usurpada pelo regime monárquico. A
forma de construção desta República e da cidadania são elementos
importantes para compreender as relações entre Estado e povo e as
formas de exercício da cidadania.
O Malho, 14/04/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. |
"Jeca Tatu não tem propriamente idéias sobre política.
Tem lá seus palpites, isto
é, os seus repentes. Elle nunca ficou bem nesta coisa de governo e
regimens. Apenas sente-lhe o effeito no que lhe toca de perto: o
imposto, a carestia da vida, as exigencias da lei, as perseguições
da policia, um role de incomodos. Elle bem que trocaria, de bom
grado, todas as suas pregorrativas de
cidadão, pela felicidade de viver tranqüilo, sem a visita do
fiscal, do soldado, do chefe político.
Entre a República e a Monarchia, elle estabelece apenas
uma diferença, que para elle é essencial:
Vasmincê pega um “capado” e põe naquele
chiqueiro. Nos primeros tempos, o bicho come que nem o demo.
Adespois, começa a engordar e a comida vai ficando. Chega um dia em
que, de gordo, não pode mais. Pode botar o mio que quizer : elle
nem toca. Agora, vasmincê pega outro “capado” e bota naquele
chiqueiro. Dá de comê a elle: pode dá com sustança que o bicho
ta tinindo de fome. Quando elle tivé começando a engordar bote
outro no seu logar. Na há mio que chegue. Vosmincê gasta tudo
quanto tem, e os porcos não engordam. Mal comparando, a Monarchia e
a Republica tal e quá...
*******************
Para o Jeca, portanto, todo o seu anseio em matéria de
evolução politica se reduz a que chegue um dia em que os que estão
no governo sejam em menor número ou de menos voracidade.
Qualquer outro que vivesse a carregar nos ombros a
responsabilidade de sustentar um Estado sumptuoso como o nosso, sem
nenhum proveito pensaria do mesmo modo.
Pouco se lhe dá que isto se chame Republica ou Império,
regimem federativo, unitário, fascista, communista, socialista. Para
elle, o único regimem que existe é o regimem alimentar.
Isto de rotulo não importa. Pergunte-se ao senador
Rocha Lima se elle pensa de outro modo. Elle poderia dar ao publico
uma amostra perfeita das idéias do Jeca Tatu, se elle quizesse ter a
sinceridade de exprimir suas próprias idéias.
************
No anno atrazado, deputado piauhyense, Sr. Pedro
Borges, então marinheiro de primeira viagem, pleiteando a construção
de uma ferrovia ou de qualquer outro melhoramento para sua terra,
contou uma anedota preciosa.
O Sr. Pedro Borges visitava o sertão piauhyense e
demorou-se por algum tempo a admirar as possibilidades de riqueza de
uma fazenda. E falou ao seu proprietário, com enthusiasmo, da grande
abundancia e augmento da produção em todos aquelles sítios mais
próximos, se o governo os ajudasse na construção de um açude.
Expondo a idéia ao matuto, notou que este estava
visivelmente constrangido. Insistiu. E o sertanejo, coçando a barba,
explicou desalentado:
“Seu” doutor, do Governo eu só quero é que não
me persiga".
Porque, para elle e para os outros, todos os outros que
como elle habitam o sertão, o Governo era apenas isto: a policia que
caçava os homens como quem caça féras e os fiscaes que cobravam,
periodicamente, os impostos do Estado.
( ilegível) tinha que esperar. E só desejava era ficar
em paz, com o seu trabalho, realizando sozinho, sem a assistência
social, a sua defesa e a construção do seu patrimônio econômico.
*************
As revoluções e os embates de partidos só interessam
aos grandes centros de atividade. Ao Jeca, pouco se lhe dá se que
seja governado pelo sorriso confiante do Sr. Paulista de Macahé ou
pela elegância equilibrada do Sr. Julio Prestes ou ainda pela figura
empomada, esticada – juventude de tônicos e massagens – do Sr.
Estácio Coimbra, do Recife. Para elle tudo vem dar na mesma. O cabo
commandante do destacamento continua a usar o mesmo kepi e a mesma
linguagem provocante. E os fiscaes não diminuem em nunca o dizimo
que cobram. As agitações que provocam a gestação das candidaturas
apenas ondulam a superfície do paiz.
O interior fica indifferente, tão indifferente como o
senador Antonio Massa ou o deputado Marcolino Barreto."
LEÃO
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