sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Malho (1928)

Em relação ao nosso foco de pesquisa, imagens de índios, durante todo o ano de 1928 foram encontradas apenas duas imagens. Na edição de novembro, uma charge faz alusão a uma reforma nas tarifas alfandegárias que segundo a opinião da revista, beneficiará o que eles consideram uma Indústria Artificial. Está explícita na charge que esta reforma trará benefícios a grupos específicos em detrimento do país. Esta indústria é representada por uma mulher e o Brasil é representado pela figura do indígena.
 
 

O Malho, 24/11/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
 
A charge faz referência a uma proposta de reforma das tarifas alfandegárias para produtos industrializados estrangeiros feita pelo Senado  Federal com o objetivo de proteger a indústria nacional. Para a revista, este medida é uma política protecionista que prejudica os interesses do Brasil e seu comércio com o exterior. Isto porque há uma proposta de comerciantes franceses ao governo de Paris para que, no caso do Senado brasileiro aprovar o projeto, se aumentem também as tarifas alfandegárias dos produtos brasileiros como cacau, café, fumo, entre outros.
 
Segundo a revista, a decisão do Senado em aumentar as tarifas não é de interesse nacional e só apoia os estrangeiros, pois não existe no Brasil uma “indústria nacional”.
 
Poucas, muito poucas, são as industrias que, como a de certos tecidos e (ilegível) de nacionaes. Na sua maioria, diríamos melhor na sua quase unanimidade, as nossas industrias de nacionaes só tem o nome: o resto é estrangeiro”.
 
A verdadeira indústria do Brasil é a agricultura e esta sim deve ser o principal foco de interesse do governo.
 
 
O Brasil deve tudo à agricultura. Na exploração da terra está a base da riqueza. Deus nos deu um immenso território para delle tirarmos ouro de que necessitamos as trocas de mercadorias com os outros povos. Os nossos dirigentes, porém, desprezam essa prodigiosa dádiva e em logar de auxiliarem o desenvolvimento da cultura da terra, fomentam a creação de usinas que nunca poderão fazer cuncurrencia commercial ás usinas de paizes securlamente industriaes, senão a sombra de uma tarifa aduaneira odiosa e prohibitiva. Já é tempo de acabarmos com essa proteção escandalosa e prejudicial. O Brasil deve ser somente agrícola. Quem quizer ganha 20,30 e 35 por cento de rendimento dos capitães, que monte uma casa de agiotagem. Baixemos os impostos das alfândegas ! Reintegremos o Paiz na posse da sua formidável e assombrosa riqueza: a lavoura !”
 
 
A outra imagem localizada, que representa a América do Sul, também traz a imagem de um índio. A charge é uma resposta a um repórter americano (como diz a legenda da imagem), mas a inscrição da mesma (“esta perna de porco já tem dono”) talvez esteja relacionada a algum tipo de posição deste jornalista sobre uma intervenção dos EUA na América Latina. Na verdade, seria necessário um conhecimento maior do fato para uma melhor análise da imagem e do seu significado.
 
 

O Malho, 29/12/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.

 
Uma outra questão trazida pela revista diz respeito a uma discussão parlamentar sobre a transferência da capital para o interior do país. A revista enumera as vantagens da transferência: segurança da capital no caso de ataques estrangeiros, povoamento do interior facilitando as comunicações com outras regiões do país, irradiação do progresso do interior para o litoral tornando a nação rica e próspera. Além disso, o afastamento da capital do país dos grandes centros impediria o surgimento de pressões sobre o Congresso por intermédios de jornais e manifestações consideradas perigosas à ordem pública.
 
A discussão se dá a nível constitucional, pois há um grupo político que, baseado no Artigo 34, parágrafo 13, que define como atribuição do Congresso mudar a Capital da União, utiliza o argumento de que imbuídos desta determinação da Constituição podem transferir a capital para qualquer outra parte do território nacional. Outro grupo baseado no Artigo 3º da Constituição que define como pertencente à União um território em Goiás destinado exclusivamente ao estabelecimento da nova capital, defende que a mesma seja transferida para o referido local, devendo ao Congresso apenas a atribuição de definir e autorizar os gastos com a construção.
 
Uma crônica da revista chamou particularmente a atenção. Intitulada “Variações sobre política através das ideias do Jeca Tatu”, a crônica trata da visão do homem comum, especificamente do homem do interior, sobre a política e de que forma esta se faz presente no seu dia-a-dia. Segundo a crônica, a presença do Estado se faz através da violência e da arbitrariedade, da cobrança excessiva de impostos.
 
De uma certa forma, o artigo trata da concepção e da prática da cidadania entre o povo. A instauração da República, proclamada sob a égide a soberania popular, convocava o povo à participação e à restituição da liberdade usurpada pelo regime monárquico. A forma de construção desta República e da cidadania são elementos importantes para compreender as relações entre Estado e povo e as formas de exercício da cidadania.
 
 

O Malho, 14/04/1928. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.

 
 
"Jeca Tatu não tem propriamente idéias sobre política. Tem lá seus palpites, isto é, os seus repentes. Elle nunca ficou bem nesta coisa de governo e regimens. Apenas sente-lhe o effeito no que lhe toca de perto: o imposto, a carestia da vida, as exigencias da lei, as perseguições da policia, um role de incomodos. Elle bem que trocaria, de bom grado, todas as suas pregorrativas de cidadão, pela felicidade de viver tranqüilo, sem a visita do fiscal, do soldado, do chefe político.
 
Entre a República e a Monarchia, elle estabelece apenas uma diferença, que para elle é essencial:
 
Vasmincê pega um “capado” e põe naquele chiqueiro. Nos primeros tempos, o bicho come que nem o demo. Adespois, começa a engordar e a comida vai ficando. Chega um dia em que, de gordo, não pode mais. Pode botar o mio que quizer : elle nem toca. Agora, vasmincê pega outro “capado” e bota naquele chiqueiro. Dá de comê a elle: pode dá com sustança que o bicho ta tinindo de fome. Quando elle tivé começando a engordar bote outro no seu logar. Na há mio que chegue. Vosmincê gasta tudo quanto tem, e os porcos não engordam. Mal comparando, a Monarchia e a Republica tal e quá...
 
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Para o Jeca, portanto, todo o seu anseio em matéria de evolução politica se reduz a que chegue um dia em que os que estão no governo sejam em menor número ou de menos voracidade.
 
Qualquer outro que vivesse a carregar nos ombros a responsabilidade de sustentar um Estado sumptuoso como o nosso, sem nenhum proveito pensaria do mesmo modo.
 
Pouco se lhe dá que isto se chame Republica ou Império, regimem federativo, unitário, fascista, communista, socialista. Para elle, o único regimem que existe é o regimem alimentar.
 
Isto de rotulo não importa. Pergunte-se ao senador Rocha Lima se elle pensa de outro modo. Elle poderia dar ao publico uma amostra perfeita das idéias do Jeca Tatu, se elle quizesse ter a sinceridade de exprimir suas próprias idéias.
 
 
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No anno atrazado, deputado piauhyense, Sr. Pedro Borges, então marinheiro de primeira viagem, pleiteando a construção de uma ferrovia ou de qualquer outro melhoramento para sua terra, contou uma anedota preciosa.
 
O Sr. Pedro Borges visitava o sertão piauhyense e demorou-se por algum tempo a admirar as possibilidades de riqueza de uma fazenda. E falou ao seu proprietário, com enthusiasmo, da grande abundancia e augmento da produção em todos aquelles sítios mais próximos, se o governo os ajudasse na construção de um açude.
 
Expondo a idéia ao matuto, notou que este estava visivelmente constrangido. Insistiu. E o sertanejo, coçando a barba, explicou desalentado:
 
    “Seu” doutor, do Governo eu só quero é que não me persiga".
     
Porque, para elle e para os outros, todos os outros que como elle habitam o sertão, o Governo era apenas isto: a policia que caçava os homens como quem caça féras e os fiscaes que cobravam, periodicamente, os impostos do Estado.
 
( ilegível) tinha que esperar. E só desejava era ficar em paz, com o seu trabalho, realizando sozinho, sem a assistência social, a sua defesa e a construção do seu patrimônio econômico.
 
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As revoluções e os embates de partidos só interessam aos grandes centros de atividade. Ao Jeca, pouco se lhe dá se que seja governado pelo sorriso confiante do Sr. Paulista de Macahé ou pela elegância equilibrada do Sr. Julio Prestes ou ainda pela figura empomada, esticada – juventude de tônicos e massagens – do Sr. Estácio Coimbra, do Recife. Para elle tudo vem dar na mesma. O cabo commandante do destacamento continua a usar o mesmo kepi e a mesma linguagem provocante. E os fiscaes não diminuem em nunca o dizimo que cobram. As agitações que provocam a gestação das candidaturas apenas ondulam a superfície do paiz.
 
O interior fica indifferente, tão indifferente como o senador Antonio Massa ou o deputado Marcolino Barreto."
 
LEÃO

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