quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sobre Polivalência e Ensino de História


Em tempos de discussão acerca da implantação da figura do Professor Polivalente nas escolas municipais do Rio de Janeiro (experiência pela qual tenho passado desde que ingressei na escola onde trabalho atualmente), gostaria de registrar algumas considerações a respeito. Embora tenha encontrado, em sua grande maioria, professores contrários à prática, também tenho percebido a posição de alguns professores favoráveis a esta nova forma de atuação pedagógica (não sei se por posição ideológica ou apenas por conveniências pessoais).

 
A escola onde trabalho é um Ginásio Experimental. Estas escolas "tem como objetivo formar jovens autônomos, conscientes de seu papel na sociedade, e ajudá-los a traçar projetos de vida". Os alunos estudam em horário integral e além das disciplinas tradicionais, os alunos são acompanhados por um professor tutor, que os auxilia na construção de um projeto de vida. Nestas escolas, os professores são polivantes e atuam por áreas: a de Exatas (Ciências e Matemática) e Humanidades (Português, História e Geografia). Na escola onde trabalho, há algumas diferenças em relação à atuação do professor. Nela, o professor polivalente é nomeado professor mentor. E ao contrário dos outros Ginásios Experimentais, o professor atua em todas as áreas do conhecimento.

 
Essa ideia do papel do professor como mentor parte do princípio de que o professor deve ter um novo papel deixando de ser um mero transmissor de conteúdos prontos para se tornar um auxiliar, um orientador, um mediador entre o objeto a ser apreendido e o aluno. Nesta proposta, o aluno deixa de ser um simples ouvinte passivo e repetidor de conteúdos para se transformar num sujeito ativo no seu processo de aprendizagem, sendo estimulado por este mentor a ter uma participação ativa e procurar ele próprio as respostas para os problemas propostos através da pesquisa e experimentos. Se esta proposta está sendo colocada em prática, ou melhor, como ela está sendo aplicada na prática, é um tema para outro texto.
 

Concordo que a construção de indivíduos autônomos e críticos deve ter como pressuposto uma educação que coloca os alunos como agentes e que a construção do conhecimento deve ser um processo dialógico. Quem já leu Paulo Freire uma vez na vida, tem consciência do quanto a prática pedagógica que coloca o professor como "depositante" e o aluno como "depositário" de informações que ele deve apenas decorar e reproduzir (chamada pelo educador de "educação bancária") é oposta à proposta de educação que pretende formar o indivíduo para a autonomia (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido).
 
A grande questão que se coloca no projeto, e que eu não concordo, é a associação feita entre o conceito de professor mentor e professor polivalente, sendo este considerado o modelo ideal de educador, ao mesmo tempo em que caracteriza o professor especialista como um praticante da "educação bancária".

A pergunta que os professores que são submetidos a este tipo de prática pedagógica e que não concordam com ela é: um professor formado e especializado em uma determinada disciplina ou em um determinado campo do conhecimento na qual ele dedicou, no mínimo, quatro anos de estudos, pode atuar com qualidade e competência numa outra disciplina distinta da sua formação?
 
 Na condição de Graduada, Licenciada e Mestre em História, eu acredito e defendo que NÃO. Na minha concepção, uma pessoa que não passa pela formação em História não tem competência para ensinar História. Apesar de ser uma disciplina relegada a um segundo plano nos programas curriculares da prefeitura, que prefere dar ênfase às disciplinas de Matemática, Português e Ciências (não por as considerar mais relevantes, mas porque são estas as disciplinas que são utilizadas como objetos de avaliação do desempenho das escolas), a História tem um papel fundamental na formação do aluno como um cidadão responsável e crítico.
 
O historiador/professor ou professor/historiador (já que o trabalho do historiador é inseparável do trabalho do professor de História) é aquele responsável pela tradução do conhecimento produzido pela ciência especializada em saber voltado à vida prática por meio da educação. É muito comum associar o historiador/professor como um mero narrador de fatos, talvez, por isso, algumas pessoas acreditam que podem ensinar a disciplina.
 
Se você perguntar a alguém quando o Brasil se tornou independente, provavelmente ele acertará a resposta. Mas, se a pergunta for por que o Brasil se tornou independente de Portugal e como ocorreu este processo, certamente ele não terá uma resposta adequada. A História, concebida como um processo, busca aprimorar o exercício da problematização da vida social. A História é uma ciência que tem seus métodos, suas técnicas e suas orientações teóricas. O saber histórico lida com conceitos, ideias e noções através das quais classificamos, ordenamos e significamos as coisas e que estruturam e atravessam a ordem social. Os conceitos tem história, são construções sociais e culturais e nem sempre foram pensados e vividos da mesma maneira.
 
O perigo de ter alguém que não é habilitado para o exercício do ensino da História está no fato de restringir seu ensinamento a uma simples narração de fatos ao invés de entendê-la como um processo, e principalmente, em incorrer no perigo de utilizar as concepções vigentes em seu tempo e em sua cultura para falar de outros tempos e outras culturas, cometendo inadequações conceituais. 

Devemos entender que a escola também produz conhecimento histórico, e esse saber não é de fato nem superior nem inferior ao acadêmico, apenas diferente, e negar sua existência é negar sua influência cultural e social. Por este motivo, é necessário descontruir a ideia de que o professor especialista é um simples reprodutor de conhecimento - ele deve ser visualizado como um mediador entre os conceitos e conteúdos sobre a História e a aprendizagem que o aluno fará desta.
 
Para finalizar e reafirmar minha convicção de que a transmissão do conhecimento histórico em sala de aula é um trabalho do especialista, do profissional das ciências humanas, e mais precisamente, do historiador/professor, reproduzo a afirmação da historiadora Laura de Melo e Souza, da Universidade de São Paulo:
 
"Amplitude e especificidade marcam concomitantemente a face da história. Se muitos podem contar histórias e até escrever sobre história, produzindo resultados interessantes, muito menos são os que podem refletir de modo consistente sobre a natureza do conhecimento histórico ou desenvolver pesquisa qualificada sobre os testemunhos deixados pelos humanos. Este é o campo exclusivo do historiador." (SOUZA, Laura de Melo e Souza. Profissão fantasma).
 
 
 

Para uma melhor reflexão sobre a negação da atuação do professor de História como um mero reprodutor de saberes e sobre a sala de aula como um espaço onde alunos e professores encenam/vivem o processo de ensino-aprendizagem e como lugar de produção/criação de conhecimento, recomendo o texto de Ilmar Rohloff de Matos - "Mas não somente assim!" Leitores, autores, aulas como texto e o ensino-aprendizagem de História.



2 comentários:

  1. Professora, acho que há alguns equívocos no seu texto, mas uma conversa presencial é mais adequada para clarificações. A minha pergunta principal é: por que participar de um novo modelo de escola quando você não concorda com a proposta de um novo papel para o professor? Você tem participado de um processo de desenvolvimento profissional justamente para refletir e se preparar para exercer esse novo papel. Abraços.

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    1. Prezado Rafael, também acredito que uma conversa presencial seja mais proveitosa para esclarecer o que sejam equívocos tanto na minha quanto na sua interpretação. Mas a minha resposta também é uma pergunta: já te aconteceu de acreditar em uma coisa, de ficar empolgado em fazer o melhor para que aquilo dê certo e aí você percebe, na sua experiência, que não é nada daquilo? Pois é, essas coisas acontecem...Sabe aquela diferença entre teoria e prática? É mais ou menos por aí. Não faltará oportunidade para uma conversa sincera e proveitosa, já que acredito que ambos, mesmo de maneira diferente, desejamos a mesma coisa: uma educação melhor para nossos alunos. Abraços.

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